PROGRAMAÇÃO

Design, Resíduo & Dignidade

O livro “Design, Resíduo & Dignidade”, organizado pela professora da FAU–USP Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, reúne textos de 40 autores sobre temas como o reaproveitamento de materiais descartados no design de produtos e a valorização da atividade dos catadores de resíduos recicláveis.

A publicação engloba reflexões sobre temáticas que estão na fronteira do conhecimento entre design, arte e resíduo, as conexões entre o design e a formulação de políticas públicas nessa área, a contribuição da Politica Nacional de Resíduos Sólidos, casos relacionados à temática dos resíduos no Brasil e na Comunidade Europeia, e por fim, o trabalho dos catadores de resíduos, pois no caso brasileiro são os atores que primeiro identificaram e produziram valor a partir do que nós considerávamos lixo.

“Sobre a base do trabalho pioneiro da coordenadora editorial, Dra. Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, esses artigos proporcionam um retrato impressionante e frequentemente inspirdor da resiliência humana e criatividade contra os maiores percalços, de pessoas que criam comunidade e valor, tanto privado quanto público, com aquilo que a sociedade dominante considera como nada. No decorrer desta obra, é demonstrado que a visão mais clara da economia política e da cultura frequentemente vem de baixo.”

Trecho do texto de quarta capa asssinado por Glary Blasi, professor emérito da Escola de Direito da UCLA – Univesity of California


Texto introdutório do livro, assinado por Maria Cecilia Loschiavo.

O longo percurso que poderá nos retirar da situação de (in)sustentabilidade em que nos encontramos, nos confronta com problemas desafiadores diretamente ligados à infra-estrutura e ao metabolismo da cidade contemporânea. Quais os caminhos que poderão propiciar esta transição? Ou será que inexoravelmente caminhamos para a permanência da (in)sustentabilidade, que ameaça o futuro e aponta para o “desfuturo”? É nesse contexto que se coloca a complexa problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos.

O lixo é um elemento onipresente na história da humanidade. No século XIX, em Paris, o chiffonier — catador fascinava escritores e artistas. Para Charles Baudelaire o chiffonier era considerado um arquivista que selecionava o que a cidade grande descartava. Já no século XX, também a literatura brasileira e a dramaturgia documentaram a presença dos catadores, como no poema “O Bicho” de Manuel Bandeira (1947) ou na peça de teatro “Homens de Papel” de Plínio Marcos (1967).

O clássico livro The Waste Makers (Packard, 1960) já nos alertava sobre as consequ¨ências do consumo hedonista e falava da “Idade do Desperdício”. Numa visão apocalíptica, este autor antevia a cidade do futuro como a cidade do desperdício. Aliás, desde a Revolução Industrial, os padrões interativos do ser humano com o meio ambiente estão orientados prioritariamente pela ganância de ganhos materiais em detrimento da preservação da natureza. O apetite do mundo contemporâneo pelo consumo gerou expressivo crescimento na busca por matéria, energia e também a vertiginosa produção do descarte, em todas as escalas: individual, local, nacional e global. Este material descartado tornou-se elemento básico do repertório de subsistência de parcela significativa de populações excluídas — moradores de rua e catadores de recicláveis.

No Brasil, o reuso dos materiais e produtos é prática corrente em vários âmbitos, seja na produção da habitação informal, veja-se, por exemplo, a produção de barracos em favelas; seja no design de objetos vernaculares, sobretudo no nordeste e nos últimos trinta anos, acentuou-se através da economia informal dos catadores de materiais recicláveis. Trata-se de um tipo de economia que cresceu aproveitando os vazios de setores inexplorados pelo capitalismo. Assim, os catadores estabeleceram uma atividade econômica com forte viés ambiental, se organizaram em cooperativas, ou mesmo como catadores autônomos, promovendo a inclusão social, gerando trabalho e renda, bem como prestando serviços ambientais às cidades brasileiras. Nos anos 80 surgem as primeiras cooperativas e hoje o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis estima a existência de mais de 1 milhão de catadores trabalhando em todo o Brasil. No ano de 2010 foi promulgada a lei 12.305/10 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos contendo instrumentos importantes para a gestão dos resíduos em nosso país.

O objetivo da presente publicação, que se constitui no relatório final do projeto de pesquisa Design de Produto, Sustentabilidade e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, CNPq — Edital Universal processo 475744/2011-0, é pensar e re-pensar os caminhos de transformação dos resíduos, suas relações com o design de produto, seu impacto na sociedade e aspectos da moralidade/dignidade da atividade do catador de recicláveis. Este livro cresceu a partir, mas não duplica, minha tese de livre-docência “Cidades de Plástico e de Papelão: aspectos do design no habitat informal da população de rua em São Paulo, Los Angeles e Tóquio” (2003) onde procurei compreender as estratégias de sobrevivência e as dinâmicas sócio-espaciais e materiais da população em situação de rua nas três cidades pesquisadas. O projeto de pesquisa envolveu um trabalho de equipe e intensa discussão entre as várias áreas de conhecimento participantes, bem como a realização de seminários e workshops públicos, no Brasil e no exterior, contando com a participação dos autores e da coordenadora-geral da investigação.

As relações entre o design, a sustentabilidade e a Política Nacional de Resíduos Sólidos configuram a abertura de uma nova temática, como consequente enriquecimento da perspectiva do design, propiciando a abordagem ampla de diversos temas num caráter descritivo, sempre marcando a postura e a contribuição brasileira em face aos desafios apresentados pela temática em questão.
Como se verá no desenrolar dos capítulos procurou-se promover a interpenetração da reflexão, da teoria, da prática profissional do design, da prática jurídica, da prática dos catadores, da prática artística correspondendo à amplitude e fluidez do tema tratado. Desta maneira o livro Design, Resíduos e Dignidade foi organizado em cinco partes. A primeira parte, Repensando o Design e o Resíduo, agrupou reflexões de professores da área de design sobre temáticas que estão na fronteira do conhecimento entre design, arte e resíduo, assim como suas contradições e conexões com o contexto da pobreza urbana atual. A segunda parte, Contribuições através do design, traz diversas possibilidades para que a área do design e formuladores de políticas públicas possam entender como e onde estariam as contribuições práticas do design.
Na terceira parte, Vivificando a Política, estão as contribuições e reflexões sobre a Politica Nacional de Resíduos sólidos no que diz respeito à sua construção e implementação e aos seus aspectos legais. A quarta parte, Compartilhando práticas, traz casos relacionados à temática dos resíduos tanto no Brasil, quanto de experiências vivenciadas pela Comunidade Europeia.
Finalizamos o livro com a quinta parte, Aprendendo com os catadores, que reúne textos sobre o trabalho dos catadores em torno dos resíduos, pois no caso brasileiro são os atores que primeiro identificaram e produziram valor a partir do que nós considerávamos lixo. Estaremos gratificados pelo esforço empreendido, se nosso trabalho puder despertar um novo olhar para a problemática dos resíduos.


Apoio: CNPq
Publicado por: Editora Olhares

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