Meninas Geraes
A exposição reuniu objetos artesanais produzidos por artesãs de Minas, sob a orientação do designer Renato Imbroisi. Foram peças de tecelagem, cestaria, crochê, tricô e bordado, feitas à mão por mulheres deste Estado que mantém ainda viva – e crescente – a tradição do artesanato têxtil. As meninas dos Geraes aqui retratadas são senhoras centenárias, jovens mulheres, adultas, adolescente e até crianças, que vivem em diferentes pontos de Minas – como o Vale do Jequitinhonha, o município de Carmo do Rio Claro, o pequeno povoado do Muquém. Em comum entre elas, a habilidade manual e o prazer de se dedicar à atividade artesanal de cada dia, que ensinam umas às outras, passando segredos e truques de mãe para filha, descobrindo novas possibilidades no contato com o universo urbano.
O artesanato em pequenas cidades ou regiões rurais está se desenvolvendo e conquistando as gerações mais novas, graças ao estímulo e à orientação de profissionais da área, como Renato Imbroisi. Ele orienta grupos de artesãos em diferentes regiões do Brasil, respeitando suas técnicas, cultura e tradições, mas ampliando o leque de possibilidades: introduz novas cores e materiais compatíveis com o processo, melhora o acabamento e desenvolve produtos ao mesmo tempo criativos e comercializáveis, a fim de abrir novos mercados e permitir o sustento dessas famílias. O resultado deste feliz casamento entre artesanato tradicional e design bem acabado esteve nas peças apresentadas em MENINAS GERAES.
A exposição apresentou também fotos da carioca Lena Trindade, que desvendam, com peculiar sensibilidade, estes rostos femininos tão brasileiros, ao mesmo tempo em que revelam detalhes de seu cotidiano: as paisagens que vêm de suas janelas, os animais em seus quintais, o interior de suas casas, as peças que produzem com suas mãos de fada, o equipamento usado nessa singela e singular produção, as fibras e fios que tecem, trançam e tramam.
Texto de apresentação da crítica de design Adélia Borges
“Ao contrário de países como o Japão e a Itália, o design erudito surge no Brasil de costas viradas para a tradição artesanal do país. Esse divórcio só começou a ser rompido na última década, quando alguns designers se dispuseram a se embrenhar país adentro atrás da riqueza secular das técnicas artesanais. Renato Imbroisi foi um dos primeiros desses desbravadores. Eles encontraram um panorama em que a riqueza do saber artesanal contrastava com a pobreza das artesãs e das peças que elas produziam. A atividade estava à beira da estagnação e vinha sendo abandonada pelas gerações mais novas. Por obra do feliz encontro entre os olhos, as mãos e o coração dos designers e dos artesãos, esse panorama começa a mudar e o artesanato brasileiro passa no momento por uma revitalização de amplo alcance ético e estético. Esta exposição focaliza o trabalho pioneiro de Renato em duas pequenas localidades na serra da Mantiqueira, nas Minas Geraes de Guimarães Rosa, que vem sendo documentado com precisão e poesia pela fotógrafa Lena Trindade. Ela desvenda os rostos dessas meninas de idades tão variadas que não precisam mais migrar do campo para serem subempregadas nas cidades, e que conquistaram muito mais do que a subsistência no antigo ofício, mas agora exercido com os pés na contemporaneidade, incorporando novos materiais e técnicas. Ao realizar esta mostra, o Museu da Casa Brasileira quer homenagear todos aqueles que estão tecendo, literalmente, um futuro digno para o objeto feito em nosso país.”
Adélia Borges
Texto de apresentação de Maria Emília Kubrusly
“O anjo e as fadas
Quem são estas meninas, que habitam as montanhas verdes e os vales da Mantiqueira, ou então se escondem nas trilhas secas do cerrado deste sertão de Guimarães Rosa? Avós centenárias, jovens mães improváveis, adolescentes quase feiticeiras. São todas meninas com o dom da magia: transformam fios e fibras em pano, coberta, tecido, cortina, flores, sem medo de usar o que sua terra lhes dá – a palha do milho, a fibra de taboa, o vermelho das sementes olhos-de-cabra, o branco triste das lágrimas-de-nossa-senhora. E enfeitam o mundo com forma, cor, beleza e muita, muita poesia que carregam no coração.
É na casa em que Eva Maciel nasceu e cresceu que se reúnem as artesãs do Muquém. Ali, em antigos teares, ela e sua irmã Noeme (que partiu em 96, a tecer novas tramas, nos fios luminosos do céu) aprenderam o ofício da tecelagem com a mãe, que foi aprendiz da avó, que aprendeu com a bisavó… e por aí vai a história do artesanato mineiro, desenvolvido no cliclo do ouro para produzir os produtos do dia a dia, improváveis de ali chegar, tão distante do porto e do mar. Uma tradição que hoje se renova e renasce, ganha forma, cor e estilo, virando meio de vida nas mãos destas novas meninas e de seus filhos dos geraes de Minas.”
Maria Emília Kubrusly