Hugo França
Madeiras de árvores caídas na mata ou de velhas canoas abandonadas ganham uma segunda vida nas obras do escultor/designer Hugo França. Pesados e fortes, os móveis esculpidos diretamente em troncos semi-queimados, canoas abandonadas e raízes de grandes árvores ocuparam o amplo jardim do Museu. São quase esculturas nas mãos de França, já que os materiais destinados ao abandono ganham uma segunda vida, a serviço do homem.
A forma dos objetos sai de cada pedaço de madeira que Hugo França encontra, em geral enormes toras da Mata Atlântica da região de Trancoso, na Bahia. Por isso mesmo, mesas, cadeiras e espreguiçadeiras de sua safra são peças únicas, nunca repetidas.
A exposição no MCB, com 15 obras, exemplificou as diversas tipologias trabalhadas pelo designer entre bancos, cadeiras, chaise-longue, ofurô, mesas de vários tamanhos, além de esculturas. Com esta mostra, França e o MCB pretendiam colocar em questão também o destino das árvores que caem ou são cortadas na cidade de São Paulo.
“Hoje na cidade temos três mil árvores condenadas. Quando uma delas cai ou é retirada, seu tronco é picotado e jogado no lixo. Por que não podemos aproveitar essa matéria-prima?”, pergunta ele, que gostaria de colocar seu conhecimento sobre este aproveitamento a serviço da cidade, na criação de um mobiliário urbano para os parques públicos. Este seu projeto inclui ainda a criação de oficinas para jovens artesãos.
Nascido em Porto Alegre, em 1954, França começou seu ofício no sul da Bahia, onde viveu muitos anos. Ali observou as canoas dos índios pataxós e aprendeu com eles a usar o pequi (Caryocar brasiliense), madeira pouquíssimo utilizada em outros lugares. “Originário da Mata Atlântica, o pequi tem uma oleosidade natural tão intensa que ela se auto-impermeabiliza (daí seu uso em canoas) e que impede que ela seja destruída nas queimadas. Podem-se encontrar árvores queimadas há mais de 40 anos, já mortas, mas que ainda estão em pé. Só uma crostinha superficial fica queimada”, explicou o designer.
Texto de abertura da crítica de design Adélia Borges “As peças de Hugo França exercem uma espécie de magnetismo nas pessoas. Elas induzem o olhar, o toque, a proximidade do corpo. Continente seguro e sólido, nos convidam a nos aninharmos nelas. Acho que essa atração ocorre porque elas trazem em si a força da natureza, e assim comunicam-se com algo de primordial, de ancestral dentro de nós. Se são brutalistas, pesadas, ao mesmo tempo trazem um toque de suavidade, de gentileza. Pois é gentil o trabalho do designer frente às toras e raízes de árvores caídas ou pedaços de canoas que encontra: ele “apenas” esculpe a madeira, encontra em cada pedaço a forma que aquele pedaço quer ter (ou sugere). Assim, não descaracteriza a matéria, não faz contorcionismos com ela; limita-se à intervenção mínima suficiente para dar-lhe uma nova vida, como móvel ou como escultura.
Hugo trabalha na mesma linhagem dos grandes mestres Zanine Caldas e Franz Krajcberg, e deve sua iniciação aos índios pataxós, do sul da Bahia. Segue, portanto, uma trilha antiga, que com sua atuação ele ajuda a alargar para chamar as novas gerações a seguirem fazendo um uso reverencial desta matéria-prima tão caracteristicamente brasileira.”
Visitação: de 29 de agosto a 3 de outubro