O cartaz tem vocação para ocupar as ruas. Em sua origem remota, ele substituiu os gritos de mensageiros nas esquinas dos emergentes centros urbanos. Ainda hoje, em algumas grandes cidades do mundo, o cartaz tem um espaço dedicado e um papel importante. No Brasil, infelizmente, além de suportes específicos serem quase inexistentes – basicamente em pontos de ônibus e estações de metrô – a maior parte deles são espaços publicitários, de exploração comercial.
O concurso de cartaz do Prêmio Design Museu da Casa Brasileira vem reforçar e valorizar essa peça como importante meio de expressão gráfica, não desconsiderando a existência de outros formatos, suportes e meios de comunicação.
O CONTEXTO DESTA EDIÇÃO
Se podemos afirmar que cada edição deste concurso é muito particular, esta parece ser mais particular ainda.
Houve, pela primeira vez, uma temática a ser seguida – o Papel Social do Design – e o momento foi atravessado pela pandemia, fazendo com que o formato e o processo seletivo passassem a ser digitais.
Como que por uma ironia do destino, esse contexto potencializou o tema proposto, revelando soluções que contemplaram imagens bastante atuais, como as máscaras de proteção e as mensagens nas janelas de apartamentos, por exemplo.
O júri deste ano também foi bastante peculiar: mais da metade dos integrantes são jovens designers e a diferença entre a pessoa mais nova e a mais velha do grupo é de quase 2 gerações, o que confere um leque maior de visões e opiniões, enriquecendo muito todo o processo.
É importante ressaltar que apesar da avaliação ter sido feita por meio digital, não se tratou apenas de uma votação, ou seja, não foi uma simples seleção de cartazes que estivessem mais ao “gosto” de cada pessoa.
Após fazer uma seleção individual, o júri se reuniu (remotamente) por várias horas, revendo todos os cartazes que receberam algum voto, discutindo as escolhas, eventualmente repescando alguma proposta. Em seguida, o debate em torno de uma pré-seleção coletiva de 22 cartazes – que configurará uma exposição virtual – resultou na escolha do cartaz vencedor e de mais 6 finalistas, que mereceram um destaque especial.
O TEMA PROPOSTO
O tema deste ano coloca em evidência a antiga discussão sobre a natureza do Design e a necessidade de reconhecimento do protagonismo da atividade como agregador de valor não apenas comercial, mas de qualidade de vida das pessoas e do planeta em geral.
Nos últimos anos da edição do concurso, a preocupação com o aspecto social do design apareceu naturalmente em alguns projetos, como reflexo do nosso contexto socioeconômico. Afinal, somos todos seres políticos, na medida em que fazemos nossas escolhas não apenas ao votar, mas no nosso dia a dia: na nossa forma de consumir, de nos locomover, de nos alimentar, de nos relacionar com os nossos semelhantes e com a natureza em geral. E sabemos que a indústria não está simplesmente preocupada em produzir o necessário, mas também em criar necessidades de consumo. O design tem um papel fundamental nessa discussão.
Expor esse aspecto do design é importante para esclarecer o público em geral e instigar reflexões e debates entre os designers, sobre o papel social da atividade.
A NATUREZA DA LINGUAGEM E O CARTAZ ESCOLHIDO
Os 7 cartazes finalistas expõem vários aspectos relacionados ao tema proposto: o banco caipira, composto com a lógica do sistema cromático CMYK; uma cadeira cheia de pontas, que nos impede de sentar, representando o design excludente; o saco de lixo preto, objeto que todos conhecem e que contém nossos descartes; a referência à arquiteta Lina Bardi e seu olhar para uma solução vernacular de assento; o desenho dos moldes de máscaras de proteção, tão necessárias neste momento; adesivos – que hoje são utilizados como entrada no Museu da Casa Brasileira – compondo um cartaz; as demolições e a gentrificação nas grandes cidades. Cada um aponta para algumas reflexões possíveis.
Como atividade de projeto, o design visual obedece a métodos, por sua vez orientados pelas condições técnicas e pelo repertório das pessoas. Para além de seu caráter objetivo, ele também navega pelo território da subjetividade: estrutura construtiva, formas, cores e imagens remetem à sensação e à memória, carregando particularidades das experiências coletivas e individuais de cada um.
O cartaz vencedor, de autoria de Leonardo Sá Rocha Sarabanda, abarca essa riqueza, é um projeto bem estruturado e que faz bom uso de imagem, cor e tipografia. Ele destaca um saco de lixo, de ponta cabeça, como o único objeto no cartaz. Uma imagem emblemática, que carrega em si muitos significados: desloca o lixo de seu lugar e orientação usuais, como um “ready made”, indagando sobre o valor dos objetos e sobre o que descartamos; nos mostra como somos iguais (“do pó viemos, ao pó voltaremos”) e ressignifica a imagem do lixo quando visto à distância, fazendo-o parecer uma leve bexiga suspensa em um fio, ou um botão de rosa, por exemplo.
Além dessas imagens, esse cartaz sugere várias associações possíveis, não se esgotando na objetividade e nem na intenção de quem o criou, continuando vivo nas possibilidades de interpretação de quem o lê. Ele não nos traz soluções, mas evoca indagações que indicam nossa incerteza e nossa responsabilidade em relação ao futuro.
SOBRE CADA CARTAZ
1º LUGAR
Inscrição: 2020-1-00098
Autor: Leonardo Sá Rocha Sarabanda
Orientadores: Celso Longo e Daniel Trench
Instituição de ensino: Associação Escola da Cidade
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
O cartaz vencedor carrega uma forte mensagem atual, à primeira vista desesperançosa, mas também abre a opção de outras leituras ao contrapor nossos dejetos, representados pelo icônico saco de lixo preto, a um diagrama e tipografia elegantes. Essa nova dimensão nos remete a outras associações, a imagens leves, de flor e balão, por exemplo, trazendo traços de humor e ironia e enriquecendo o leque de interpretações possíveis. É um cartaz bem estruturado e muito bem resolvido do ponto de vista de imagem, cor e tipografia.
MENÇÕES HONROSAS (por ordem alfabética)
Menção honrosa
Inscrição: 2020-1-00094
Autor: Alessandra Valerivna Kalko
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
O triste fenômeno urbano das demolições apaga memórias e abre caminho para a gentrificação e a especulação imobiliária. Esse cartaz, que faz uma crítica social mais direta, retrata a casa brasileira pela ausência e dá vida ao registro da casa demolida ao aplicar silhuetas humanas em ação. Levanta também questões pertinentes relacionadas ao prêmio e ao papel social do design: – Afinal, qual é o design importante neste contexto de crise?
Menção honrosa
Inscrição: 2020-1-00274
Autores: Giulia Fagundes, Giovani Castelucci, Guilherme Vieira
Escritório: Daó
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
A imagem da cadeira com pontas espinhosas nos remete aos objetos surrealistas de Meret Oppenheim ou de Man Ray. Mas, neste caso, o estranhamento e a repulsa que a imagem nos provoca, representa de maneira impactante o design excludente. Também é bastante significativo que faça uso de um objeto utilizado tão corriqueiramente para representar o design de produto – uma cadeira – tratando-a como elemento de articulação crítica. É muito pertinente com o tema desta edição do concurso e levanta uma discussão tanto em relação ao design quanto à sociedade brasileira no contexto atual.
Menção Honrosa
Inscrição: 2020-1-00284
Autor: Jeferson Luiz Braz da Silva
Cidade: Rio de Janeiro
Estado: Rio de Janeiro
O cartaz trata da releitura de um objeto singelo, o banco caipira, dentro de um conceito modernista de modularidade e com uma abordagem poética. Ademais, faz uma clara referência aos processos produtivos de design, ao transformar a imagem em uma padronagem, repetindo-a em várias linhas e colunas, e referindo-se diretamente ao sistema de impressão em quadricromia, CMYK.
Menção Honrosa
Inscrição: 2020-1-00257
Autoras: Luciana Lischewski Mattar, Gabriela Gennari
Orientador: Marcos da Costa Braga
Instituição de ensino: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
Esse cartaz-objeto é um “faça você mesmo” das máscaras de proteção individual, novo item de grande valor simbólico que tornou-se essencial em nossas vidas. As autoras do projeto sugeriram que o cartaz fosse impresso em papel filtro, para poder ser recortado e utilizado, tornando-se um objeto de utilidade pública. Ele comunica o momento atual e aponta a relevância do design acessível e com finalidade social, agregando uma boa solução visual e qualidade técnica.
Menção Honrosa
Inscrição: 2020-1-00278
Autores: Noam Barg Pinto, Karime Zaher e Tamara Crespin
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
O meio de acesso ao museu, o adesivo, torna-se a mensagem principal desse cartaz e remete à função do design como organizador social. Sendo feito de papel adesivo, ele carrega o convite de ingresso ao museu e torna-se em si – através da interação com o público – a própria entrada, abordando o tema de forma original. A utilização desse signo gráfico de acesso ao museu também pode ser interpretada como representação do acesso ao design e à cultura.
Menção Honrosa
Inscrição: 2020-1-00470
Autor: Pedro Modenesi Moraes
Orientador: Marcelo Batista Pliger
Instituição de ensino: Escola Superior de Propaganda e Marketing
Cidade: São Paulo
Estado: São Paulo
Este cartaz se refere à “cadeira de beira de estrada”, feita toscamente com quatro peças amarradas e destacada por Lina Bo Bardi em 1967 a título de reflexão sobre as soluções básicas para o ato de sentar. A peça é muito bem resolvida graficamente e gera impacto ao criar contrastes aliando o despojado croqui, usando poucas cores (vermelho e preto sobre fundo branco), negativos e positivos, corpos distintos de fonte tipográfica (o número 34 bastante grande e demais informações em fonte menor). Se destaca pela qualidade na referência histórica e na composição gráfica.
Por Ruth Klotzel
Sobre o Prêmio Design MCB
O Prêmio Design MCB é realizado desde 1986 pelo Museu da Casa Brasileira, instituição cultural que comemora, em 2020, 50 anos. A premiação – a mais tradicional do segmento no país – revela talentos e consagra profissionais e empresas. O Prêmio é dividido em dois momentos principais: o Concurso do Cartaz e, em seguida, a premiação dos produtos e trabalhos escritos. Em 2020, em decorrência da pandemia do novo coronavírus (covid-19), a premiação voltada a design de produtos e trabalhos escritos foi suspensa. A previsão é de que a edição de 2021 do Prêmio Design seja mantida. “É um projeto de fundamental importância para a instituição e para o universo do design, e planejamos a retomada no próximo ano, com a normalização das atividades do museu”, comenta Miriam Lerner, Diretora Geral do MCB.
Sobre o MCB
O MCB está fechado temporariamente. No atual cenário, o MCB adapta seu conteúdo para o digital, disponibilizando diversos materiais em sua campanha #MCBemcasa e na plataforma #CulturaemCasa. Entre os conteúdos lançados, há visita virtual, playlists, artigos e atividades nas redes sociais. Acompanhe!
Museu da Casa Brasileira
Site: mcb.org.br/
Av. Brig. Faria Lima, 2705 – Jardim Paulistano
Tel.: +55 (11) 3032.3727