ARTIGO “GABINETES E ESCRIVANINHAS: NOTAS SOBRE LEITURA, ESCRITA E ESTUDOS NAS CASAS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX”, POR ERICA DE OLIVEIRA
Neste artigo falaremos brevemente sobre a escrita, leitura e estudos, ou seja, determinados processos físico-mentais e como estes poderiam ser realizados nas casas urbanas, com foco em São Paulo e Rio de Janeiro, de meados do século XIX e início do século XX. Partiremos do exame da relação entre as pessoas e o mobiliário/objetos envolvidos nessas práticas, com ênfase para a escrivaninha/secretária, e entre as pessoas e os cômodos onde as atividades ocorriam. O recorte temporal se deve à constituição do acervo MCB, posto que nosso objetivo é tratar de temas a partir dos objetos da instituição — embora haja uma coerência em relação a padrões de moradia desse período. Atualmente, temos em nossa coleção três cômodas-papeleiras, duas escrivaninhas e alguns objetos que poderiam estar associados ao cômodo específico da casa burguesa destinado a esse fim, os gabinetes, tais como: cadeiras, luminária de mesa, rede, canapé, marquesa, datados do intervalo balizador dessas notas.
Espaços: gabinetes e cômodos com funções compartilhadas
Na casa burguesa do século XIX e início do século XX, como parte da construção do ideal de domesticidade4 e do processo de especialização dos espaços e móveis5, organiza-se um cômodo específico para a leitura, escrita e gestão/contabilidade familiar: os gabinetes6 ou escritórios. Este espaço era exclusivo do chefe da família e basicamente composto por uma escrivaninha, secretária ou mesa, poltronas, cadeiras, divã, armários ou estantes para livros (MALTA, 2011, p. 79). Em São Paulo, localizavam-se, normalmente, na parte da frente das casas e poderiam ter uma entrada independente, o que estabelecia uma relação direta entre o homem e o mundo externo (CARVALHO, 2008, p. 138). Os textos literários referentes ao Rio de Janeiro também mencionam sua proximidade com a sala de visitas, ou seja, na frente da casa: “Tinha três janelas de peitoril na frente; duas pertenciam à sala de visitas; a outra a um gabinete contíguo. O aspecto da casa revelava, bem como seu interior, a pobreza da habitação” (ALENCAR, 1971, p. 29). Como podemos observar nesta passagem do romance Senhora (1875), de José de Alencar, apesar dos gabinetes serem frequentes nas moradias abastadas, as casas mais pobres também poderiam ser providas do cômodo. Trata-se, portanto, de um espaço privado, embora com certa abertura, praticamente inexistente antes desse período e, como veremos adiante, bastante diferente dos escritórios domésticos contemporâneos (IMAGUIRE JR, 1999, p. 147).
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*Erica de Oliveira é analista do Núcleo de Preservação e Pesquisa do Museu da Casa Brasileira desde 2017. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, Bacharela em História (2014) e Técnica em Museologia pelo Centro Paula Souza (2008). Pesquisa a relação entre materialidade e a interioridade humana, com destaque para temas relativos ao espaço doméstico. Atua desde 2008 nas áreas de documentação e gestão de acervos museológicos e com produção de exposições. No Serviço de Objetos do Museu Paulista foi também membra do Comissão Técnica Administrativa e do Conselho Diretor do Museu como representante discente. Além disso, foi pesquisadora da Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo como bolsista do projeto Fapesp A USP durante o regime autoritário: formas de controle e resistência na Universidade de São Paulo, 1964 – 1982.